O ciclo económico
Os preços das ações quase nunca refletem o valor intrínseco das empresas. Doutra forma, não existiria tanta volatilidade nas bolsas.
Na MyStockIdeas partilhamos a visão do grande investidor George Soros. Acreditamos que os mercados apresentam sempre um grau de distorção face à realidade e que os mercados podem influenciar os eventos que eles próprios tentam antecipar. A combinação destes dois fatores explica a capacidade preditiva que muitas vezes se atribui aos mercados bolsistas.
George Soros criou um modelo descritivo dos ciclos do mercado baseado em dois conceitos:
- Tendência predominante, que reflete a emoção predominante do conjunto de participantes do mercado. Quando tudo o resto permanece igual, uma tendência predominante positiva leva a um aumento do preço das ações e uma tendência predominante negativa a uma diminuição do preço das ações;
- Tendência subjacente, que reflete as mudanças dos “fundamentais” das empresas, como receitas, lucros, etc.
O preço das ações será composto por estas duas parcelas, a tendência predominante e a tendência subjacente.
No modelo do mercado construído por George Soros, os dados fundamentais das empresas (tendência subjacente) influenciam as perceções e decisões dos participantes (tendência predominante), afetando o preço das ações. A alteração do preço das ações afeta, por sua vez, as perceções e decisões dos participantes e os próprios fundamentais das empresas (ver esquema ao lado). Existe, pois, uma relação reflexiva entre os três fatores.
Segundo este modelo, a sequência de eventos é um processo histórico em permanente evolução em que nenhuma destas variáveis – o preço das ações, tendência subjacente e tendência predominante – permanece como estava. Quando o preço das ações reforça a tendência subjacente, ie, quando a evolução do preço das ações segue o mesmo sentido que o da evolução dos dados fundamentais das empresas, encontramo-nos perante um processo autoreforçador. Quando andam em direções opostas, estamos perante um processo autocorretivo. O mesmo princípio aplica-se entre o preço das ações e a tendência predominante.
Muito havia para dizer sobre este modelo, apenas colocamos aqui as linhas essenciais.
Este modelo é uma das ferramentas que a MyStockIdeas utiliza para tentar identificar as tendências do mercado. A adaptação deste modelo à nossa realidade atual parece-nos indicar que o preço das ações subiu demasiado, alimentado por expectativas que se tornaram, a dada altura, excessivas. A forma como interpretamos os acontecimentos mais recentes do mercado está representada na figura seguinte (de uma forma esquemática) e descrita nos parágrafos seguintes.
No início, a perceção dos investidores e os preços das ações desceram rapidamente, influenciados por uma deterioração repentina da economia e por medidas draconianas de combate à pandemia, que exigiram o fecho de espaços comerciais, a paralisação de algumas indústrias e o confinamento total da população. Nesta fase era inevitável que se gerasse algum pânico e que isso se refletisse no preço das ações.
Ultrapassada a fase do choque, as expectativas começaram a melhorar rapidamente, com um aumento sem precedentes dos estímulos orçamentais e o anúncio do desenvolvimento de várias vacinas, cuja distribuição supostamente estaria para breve, provavelmente até antes do final do ano. Ao mesmo tempo, os casos da primeira vaga começaram a diminuir, reforçando as espectativas positivas dos investidores. A meio do Verão uma parte da população já duvidava do aparecimento de uma segunda vaga. Os hábitos de consumo também recuperaram rapidamente e isso terá atenuado o impacto da pandemia em alguns setores.
No final de agosto as expectativas tornaram-se demasiado altas e a realidade não conseguiu sustentá-las. Isso tornou-se explícito quando a segunda vaga começou a afirmar-se no início de setembro e alguns dados económicos desfavoráveis começaram a vir a público. Passou a considerar-se improvável que aparecesse uma vacina antes de 2021. As expectativas dos investidores baixaram e o medo dos participantes voltou a aparecer. Entretanto também as poupanças atingiram valores históricos, o que é sinónimo de redução do consumo, de diminuição das receitas das empresas e deterioração dos seus fundamentais. Com os participantes a tornarem-se mais pessimistas, os preços das ações começaram a diminuir.
Segundo o modelo de George Soros, com os preços das ações numa tendência descendente e as receitas das empresas novamente pressionadas, podemos estar a entrar num processo autoreforçador, que pode levar a um novo crash da bolsa. Eventualmente o pessimismo acabará por passar e o mercado estabilizará.
Este foi o cenário traçado pela MyStockIdeas que motivou a redução de todas as suas posições em 11 de setembro. Desde então, o mercado desceu consideravelmente. E a descida pode não ficar por aqui.
É impossível prever o futuro. Mas entender em que estado do ciclo económico nos encontramos certamente que ajuda. Este ciclo poderá demorar dias, semanas, ou poderá demorar meses. É uma incógnita.
Em todo o caso, parece-nos pouco provável que o preço das ações suba significativamente nas próximas semanas. Por outro lado, o modelo de George Soros indica-nos que estamos no início de um processo autoreforçador negativo. Este processo irá ser desafiado por múltiplos fatores, dos quais destacamos a política de estímulos orçamentais, a evolução da segunda vaga da pandemia ou os resultados dos testes das vacinas. Se estes fatores confirmarem o pessimismo atual dos participantes, certamente que a descida das ações não se ficará por aqui.
Em suma, podemos estar perante uma oportunidade para voltarmos a adquirir ações a preços de saldo. Tudo dependerá da evolução do ciclo económico e do nosso sentido de oportunidade.
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