Netflix (NFLX)
Principais resultados da análise
A MyStockIdeas decidiu estudar a indústria da Televisão, tendo começado por analisar a AMC Networks (análise já publicada), uma das empresas líder do segmento de TV por cabo.
Mas o Streaming tem assumido um papel cada vez mais relevante no mundo do entretenimento, em grande parte devido ao caminho talhado pela surpreendente Netflix.
A Netflix começou com um negócio de envio de vídeos pelo correio e rapidamente se transformou numa empresa de distribuição de vídeo por Streaming. Mais recentemente, tornou-se na primeira cadeia global de televisão.
Nesta análise decidimos inverter o método de avaliação que tem sido utilizado pela MyStockIdeas. Assim, em vez estimarmos as variáveis-chave para o cálculo do valor intrínseco da empresa, optámos pelo processo inverso, ie, assumimos que o preço atual das ações corresponde ao valor intrínseco da empresa e calculamos, a partir deste, as variáveis-chave que justificam esse valor. Por fim, analisamos a probabilidade deste cenário se concretizar.
Para que o preço atual das ações da Netflix corresponda ao seu valor intrínseco, é necessário que o volume de vendas quase quintuplique até 2029, e que a margem operacional e o retorno do capital alcancem os 25% e os 23% respetivamente.
É um cenário possível. No entanto, mesmo que o futuro seja risonho para a Netflix, dificilmente estas metas serão superadas, pelo que acreditamos que o preço das ações da Netflix tem pouca margem de subida.
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Empresa/Indústria
A Netflix apareceu em 1997, na altura em que a tecnologia VHS começava a ser substituída pelo DVD. A empresa rapidamente assumiu um papel relevante no segmento de VOD (Video on demand) porque estava disposta a pagar taxas consideráveis de licenciamento. O foco da Netflix centrava-se, nessa altura, no mercado de aluguer de filmes - primeiro por correio e mais tarde por Streaming - mas acabaria por transformar-se num negócio de distribuição televisiva, quando passou a ser tecnologicamente viável transmitir um elevado volume de conteúdo de alta qualidade pela internet.
O negócio televisivo começou lentamente, com a criação de bibliotecas de conteúdo da indústria televisiva que já não se encontrava no ar e cuja transmissão não representava qualquer ameaçada para a indústria. Para os estúdios tradicionais de televisão a Netflix representava uma fonte de vendas adicional, através da qual escoavam produtos que, doutra forma, não produziriam qualquer receita.
No início a Netflix dependia inteiramente dos estúdios para obter o seu conteúdo, direcionando uma grande quantidade de dinheiro para licenças de distribuição. Mas munida de uma capacidade de análise de dados sem precedentes, a empresa rapidamente passou a identificar os conteúdos que mais lhe interessavam, tornando-se mais seletiva nas licenças que adquiria. Os estúdios foram ficando, simultaneamente, mais dependentes desta fonte de receita adicional, tornando a relação entre as partes mais equilibrada.
Em 2008 a Netflix tinha apenas 10 milhões de subscritores. A empresa deu um salto significativo em 2010, passando para 20 milhões de subscritores. Mas a Netflix continuava a depender dos estúdios para distribuir o seu conteúdo. Tipicamente a empresa só conseguia disponibilizar as séries um ano após terem saído do ar, continuando a não representar qualquer ameaça para a indústria tradicional. No entanto, a sua biblioteca de conteúdos estava disponível a qualquer hora do dia, atraindo os subscritores que procuravam por um serviço menos dependente de uma agenda ou escala de programação. A Netflix começava a disponibilizar uma nova forma de ver televisão, tornando-se na primeira empresa a fornecer um serviço que possibilitava aos subscritores a experiência da televisão sem os submeter a uma programação pré-determinada ou agenda. Os clientes passaram a questionar o que iriam ver, em vez de quando iriam ver.
O crescimento da Netflix tornou-se, entretanto, visível para a indústria tradicional, passando a ser encarada como um concorrente e não apenas como um parceiro comercial, o que viria a interferir na relação que havia entre as partes. Para se tornar competitiva, a empresa precisaria então de começar a produzir o seu próprio conteúdo. Isso terá levado a Netflix a dar o passo seguinte, passando de um mero distribuidor para criador do seu próprio conteúdo.
Figura 1 - Evolução do volume de vendas
Ao parecer-se mais com um canal de televisão do que com uma empresa de aluguer de filmes, a Netflix adotou as práticas tradicionais da indústria na criação de novos conteúdos, estabelecendo acordos com estúdios em moldes similares às das restantes cadeias televisivas. No entanto, a Netflix queria construir uma biblioteca de conteúdo. Como tal, em vez de recorrer ao método tradicional, em que a empresa assumia parte dos custos de produção permitindo aos estúdios revender mais tarde o produto a terceiros, a Netflix estabeleceu acordos de longa duração, que impediam os estúdios de revender os conteúdos produzidos pela empresa, em troca de mais dinheiro. Esse procedimento resultou num aumento dos custos de produção, que não tiveram, apesar de tudo, qualquer impacto de longo prazo na rentabilidade da empresa (ver figura seguinte).
Figura 2 - Evolução dos rácios de rentabilidade
Com o passar dos anos, o número de subscritores aumentou significativamente. Apesar de não estar sozinha na distribuição por internet – plataformas como a HBO Go, a Hulu ou a Amazon Vídeo passaram a distribuir conteúdo televisivo pela internet desde muito cedo – a Netflix continuava, de longe, a ser a maior ameaça para a indústria tradicional.
No primeiro trimestre de 2020 a Netflix alcançou a meta dos 183 milhões de subscritores, beneficiando do período de confinamento imposto pela pandemia do COVID-19. Com estes números impressionantes, a Netflix vincou a sua liderança no processo de transformação do setor da televisão.
Vantagem competitiva
A Netflix presta um serviço que se diferencia do setor tradicional em três vertentes: o conteúdo está disponível quando o cliente quer; o conteúdo é disponibilizado sem publicidade; o canal tem um alcance global.
Acreditamos que estes fatores atribuem uma vantagem competitiva à Netflix, face à indústria tradicional. No entanto, o setor já começou a reagir, criando várias soluções concorrentes. Deste conjunto de soluções, destacam-se as empresas de Streaming que algumas cadeias de televisão já lançaram, ou que irão lançar em breve, como o caso da Disney ou da WarnerMedia.
Mas a empresa goza também de um efeito de escala associado ao número de subscritores. Isso permite-lhe investir em mais e melhor conteúdo, distribuindo os custos por um maior número de clientes. Permite-lhe também identificar os conteúdos mais apropriados, aproveitando-se da sua base de dados alargada de clientes e de algoritmos desenvolvidos internamente, criados para esse efeito. Esse efeito de escala permite que a empresa esteja um passo à frente dos seus concorrentes, criando um ciclo virtuoso onde melhor conteúdo atrai mais clientes, que geram mais receita, que é utilizada para produzir melhor conteúdo.
A evolução da margem bruta (ver imagem seguinte) revela uma tendência positiva desde 2013, o que poderá estar relacionado precisamente com o efeito de escala de que a empresa goza.
Figura 3 - Evolução do Gross Profit Margin
Management
Reed Hastings é o conhecido fundador e CEO da Netflix, o visionário que concebeu e acreditou no modelo de negócios inovador da empresa.
Hastings tem o mérito de ter transformado um negócio de aluguer de DVD numa poderosa cadeira global de transmissão televisiva. No entanto, alguns analistas questionam a capacidade de liderança de Hastings por causa do caso Qwikster, um plano que contemplava o rebrand e separação da área de negócio de DVD e que viria a ser cancelado devido à pressão dos acionistas.
Mas não restam dúvidas de que a dimensão que a Netflix alcançou e a revolução que a empresa provocou na indústria da televisão em muito se deve a Reed Hastings. No entanto, a história prova que nem sempre são os revolucionários a reinar na nova realidade que criaram.
Situação financeira
O Balanço da Netflix não é dos mais robustos. Como se pode constatar na figura seguinte, os rácios de liquidez e solvabilidade estão abaixo dos limites convencionais (abaixo de um e abaixo de dois respetivamente) e têm vindo a piorar ao longo do tempo.
Figura 4 - Rácios de liquidez e solvência
Em termos de financiamento, a Netflix apesenta um perfil de algum risco, uma vez que o indicador debt-to-equity ratio assume valores superiores a 1. A empresa pode financiar-se recorrendo a dívida ou ao seu próprio capital (que inclui o dinheiro aplicado pelos acionistas e os lucros acumulados). Quando uma empresa recorre mais à dívida do que ao capital próprio para se financiar - debt-to-equity ratio superior a 1 - apresenta um perfil de maior risco para o investidor.
Figura 5 - Debt-to-Equity Ratio
O indicador debt-to-equity ratio pode ser distorcido por ganhos ou perdas retidas, ativos intangíveis e custos associados aos planos de pensões, pelo que poderá não ser suficiente para se compreender a verdadeira alavancagem de uma empresa.
Como alternativa, podemos comparar os juros de empréstimos pagos pela empresa com o Resultado Operacional. Valores inferiores a 35% neste indicador colocam a Netflix num patamar médio de endividamento.
Figura 6 - Evolução dos juros (% do Resultado Operacional)
Avaliação e Key Indicators
A entrada da Netflix numa indústria extremamente competitiva, com décadas de existência, e as mudanças significativas que impôs aos seus intervenientes tradicionais, é um feito extraordinário que ficará nos anais da história. Ironicamente, a empresa utiliza as mesmas infraestruturas da indústria tradicional para distribuir o seu conteúdo (cabo), mas a forma inovadora como o faz permitiu contornar as barreiras de entrada de uma indústria bem estabelecida.
Por mais inspiradora que seja a história da Netflix, as árvores não crescem até ao céu, pelo que até uma empresa como esta tem um valor limite. O indicador Price/Book Value apresenta um dos valores mais altos que temos visto nas nossas análises, o que é um indício de que a empresa está sobrevalorizada.
Figura 7 - Evolução do Price to Book Value
Existem poucas referências no setor do Streaming, pelo que estimar os futuros cash-flows da Netflix apresenta uma dificuldade acrescida. Como tal, neste caso particular decidimos inverter o método de avaliação que tem sido utilizado pela MyStockIdeas. Assim, em vez estimarmos as variáveis-chave para o cálculo do valor intrínseco da empresa, optámos pelo processo inverso, ie, assumimos que o preço atual das ações corresponde ao valor intrínseco da empresa e calculamos, a partir deste, as variáveis-chave que corroboram este valor. Por fim, analisamos a probabilidade deste cenário se concretizar.
Para chegar ao preço atual das ações da Netflix – $524 em 14 de julho de 2020 – considerámos que o volume de vendas irá manter a sua tendência de grande crescimento nos próximos anos, decaindo gradualmente até estabilizar nos 5% no ano 10. Este crescimento dependerá da capacidade da Netflix em manter o papel de liderança no Streaming e de se tornar ainda mais global.
Considerámos também que a Margem Operacional antes de impostos crescerá gradualmente ao longo dos anos, até atingir os 25% no ano 10, refletindo o aumento do preço das subscrições e as vantagens provenientes do efeito de escala.
Considerámos ainda que o rácio capital turnover descerá ligeiramente (será preciso mais investimento para manter igual volume de vendas), refletindo o aumento da concorrência. Com tudo isto, o ROC atinge os 23% no ano 10.
Para se chegar ao preço atual das ações da Netflix é então necessário que o volume de vendas quase quintuplique até 2029, e que a margem operacional e o retorno do capital melhorem significativamente ao longo dos próximos 10 anos.
Algumas empresas dominantes do setor tradicional apresentam margens operacionais e retornos semelhantes aos considerados neste cenário hipotético, pelo que não é descabido que a Netflix venha a atingir estas metas. Tendo em conta o mercado ainda por explorar pelo Streaming e o Pricing Power que uma empresa dominante como a Netflix tem, não será também impossível que o volume de vendas quintuplique nos próximos 10 anos.
No entanto, o difícil será superar estas metas. Por conseguinte, consideramos que o preço das ações da Netflix tem pouca margem de subida. Interessa ressalvar que, sendo a Netflix uma empresa tão popular, certamente que a especulação terá um impacto importante no preço das suas ações, mas essa é uma matéria que extrapola o domínio da MyStockIdeas.
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