MOTA-ENGIL (EGL)
Principais resultados da análise
A ME apresenta uma dívida muito elevada, o que poderá ser problemático num cenário de subida das taxas de juro. Assim, a empresa está obrigada a baixar o peso da dívida nos próximos anos, antes que as taxas de juro comecem a subir. Ou então a aumentar significativamente os seus lucros, para fazer face à dívida. Não fosse isso, a ME estaria numa posição muito mais segura, já que parece estar a adivinhar-se um período de maior investimento em Portugal, que será com certeza aproveitado por uma empresa líder da construção no seu país. Poderão até já existir alguns indícios de mudança de ciclo na ME, como a inversão da tendência dos rácios de retorno do investimento.
Por tudo isto, poderá ocorrer uma recuperação do retorno de investimento e dos lucros nos próximos 10 anos, seguido de um crescimento de menor amplitude a partir dessa altura. Como tal, considerou-se que a ME alcançará, no ano dez, um ROE idêntico ao da média da Indústria da Construção, de 9.3%. A ME apresentou um ROE médio desta ordem de grandeza no quinquénio 2010 a 2014, pelo que é admissível que volte a alcançá-lo. No entanto, a ME apresenta um risco efetivo de insolvência à data de hoje, e isso não pode ser ignorado pelos investidores.
Colocando estes fatores numa análise de cash-flow obtém-se um valor intrínseco de 1.76€/ação. Considerando 10% de margem de segurança, recomenda-se a compra de ações até 1.58€/ação.
Ver análise detalhada
Introdução
Nesta avaliação será efetuada uma análise assente no histórico dos dados financeiros e dos principais indicadores de desempenho, o que permitirá obter uma boa aproximação do valor da empresa. A avaliação é baseada na informação disponível nos relatórios e contas, em estudos publicados, em artigos disponíveis na imprensa, legislação, etc.
Os dados financeiros das empresas aparecem resumidos em três tipos de formatos: demonstração de resultados, balanço e o fluxo de caixa.
A demonstração de resultados apresenta a quantia que a empresa faturou num determinado período de tempo (vendas) e a quantia que utilizou para obter essas receitas durante o mesmo período de tempo (custos). Analisando a demonstração de resultados podemos verificar se as receitas estão numa tendência crescente ou decrescente, se as despesas estão em linha com as receitas, se os lucros são consistentes ou voláteis, se apresentam um padrão cíclico, entre outros. Os preços das ações da grande maioria das empresas estão relacionados com os lucros, pelo que a análise da demonstração de resultados assume uma grande importância no processo de previsão do preço das ações.
A estrutura de balanço reflete a condição financeira da empresa em determinado instante. Através do balanço é possível verificar a solvência da empresa, a sua liquidez, a sua eficiência operacional, entre outras características. Um balanço forte pode ser um indicador de resistência a ciclos económicos adversos.
O fluxo de caixa reflete o dinheiro que realmente entrou e saiu da empresa durante um determinado período de tempo (tipicamente 1 ano). O histórico do fluxo de caixa permite saber a quantia que a empresa realmente gasta e que efetivamente recebe, fornecendo informação indispensável para o cálculo do seu valor intrínseco.
Ao longo desta análise será interpretada a informação disponibilizada por estes três formatos e, recorrendo a indicadores-chave, será calculada uma primeira estimativa do valor da empresa.
Descrição da empresa
A Mota Engil (ME) é uma empresa com 72 anos de história, que opera essencialmente em duas áreas: Engenharia e Construção (E&C) e Ambiente e Serviços (A&S). A área A&S baseia-se no tratamento e recolha de resíduos, onde se destaca a empresa EGF, que trata mais de 60% dos resíduos em Portugal. A ME participa também em sociedades que operam noutros setores, como a energia e a mineração.
O seu volume de negócios distribui-se de forma mais ou menos uniforme pela Europa, África e América Latina (Figura 1).
O papel da ME na Europa está associado sobretudo à área de Engenharia e Construção, estando o seu volume de negócios bastante exposto à política de obras públicas que é definida em Portugal e na Polónia. A ME é líder no mercado português, posição que ficou ainda mais consolidada após o desaparecimento recente da maior parte das grandes empresas de construção nacionais, na sequência da crise que o setor atravessou.
O seu papel em África está relacionado sobretudo com a execução de obras públicas, ainda que uma parte do volume de negócios seja proveniente do setor de mineração, através de sociedades com multinacionais ligadas ao setor.
Na América Latina, a grande parte do volume de negócios provem do Peru, Brasil e México, onde entrou recentemente no setor da produção de energia, o que deverá conferir alguma estabilidade financeira na região.
Figura 1 – Distribuição do volume de vendas da ME
Situação financeira
Análise dos resultados
O volume de vendas é o primeiro dado a analisar na demonstração de resultados. As vendas são a força vital das empresas. Sem elas não há lucro ou qualquer perspetiva de negócio. A análise do histórico do volume de vendas permite avaliar a exposição da empresa aos ciclos económicos e perceber se o negócio está em expansão ou em retração.
A ME apresentou uma subida consistente do seu volume de vendas (Figura 2) ao longo dos últimos 10 anos, apesar da crise do setor da construção vivida em Portugal. Num contexto em que a maior parte das grandes empresas do setor entraram em default, a ME revelou uma resiliência respeitável, assumindo atualmente uma posição de liderança que é indiscutível em Portugal, e isso deverá ter repercussões positivas nos próximos anos.
Figura 2 – Volume de vendas
Figura 3 – principais dados da demostração de resultados
O resultado operacional reflete a capacidade que a empresa tem de gerar receita. Tal como o nome indica, este dado mostra o resultado gerado exclusivamente pelas operações do negócio, antes de ser descontada a verba destinada ao pagamento de juros e impostos. Dado que o resultado não é distorcido pelo nível de endividamento em que diferentes indústrias operam ou pelas taxas tributárias que diferem de país para país, o resultado operacional é um indicador particularmente útil quando se pretende comparar diferentes empresas.
O Resultado Operacional corresponde ao somatório de diversas parcelas, das quais se destacam as seguintes (Figura 4):
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Gross Profit, ou margem bruta: é um indicador que revela a quantidade de dinheiro disponível das vendas após dedução do custo dos produtos vendidos. A margem de lucro bruto geralmente aparece expressa como uma percentagem das vendas.
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Selling, General and Administrative Expenses (SG&A): inclui todas as despesas gerais e administrativas incorridas durante o período contabilístico. Estas incluem salários de gestão, publicidade, custos de representatividade, honorários, comissões, entre outros.
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Depreciação e Amortização: é a rubrica onde se reconhece o desgaste que as máquinas e edifícios vão apresentando ao longo do tempo.
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Outros ganhos/custos operacionais: inclui receitas de todas as outras atividades operacionais que não estão relacionadas com as principais atividades da empresa, como ganhos / perdas em alienações, receita de juros, receita de dividendos, etc.
Figura 4 – Componentes do Resultado Operacional
Analisando o histórico do Gross Profit Margin, verifica-se uma alteração de tendência em 2016, que passou a ser descendente desde então (Figura 5). Apesar disso o rácio mantém-se acima de 40%, encontrando-se no quadrante onde se costumam posicionar as empresas com alguma vantagem competitiva.
As despesas gerais e administrativas apresentam um peso relativo de 65% do Gross Profit, revelando uma tendência de diminuição ao longo dos anos, o que é positivo (Figura 5).
Não obstante, o indicador %EBIT on Sales revela uma diminuição ao longo dos últimos 10 anos, o que significa que a ME está a perder competitividade.
Figura 5 – Gross Profit Margin e SG&A em % do Gross Profit
Figura 6- Gross Profit Margin e indicador % EBIT on Sales
Em termos gerais, a evolução das várias parcelas do Resultado Operacional apresenta alguma volatilidade. Particularizando, observa-se que os custos de depreciação e outros custos operacionais têm vindo a ganhar cada vez expressão no Resultado Operacional, anulando o efeito da subida do Gross Profit.
Figura 7 – Principais componentes do resultado Operacional
O resultado não operacional (Figura 3, Non-Operating Income/Expenses, Total) deve-se, geralmente, a eventos não recorrentes, pelo que muitos investidores optam por não os considerar no processo de avaliação de uma empresa.
O resultado não operacional tem tido um peso relevante no resultado líquido, apresentando também uma grande volatilidade (Figura 3), ainda que em 2018 tenha tido um baixo peso relativo no resultado líquido (Figura 8).
Figura 8 – Componentes do resultado líquido
A exposição à dívida e os gastos de capital podem ser analisados de uma forma indireta na demonstração de resultados, através da observação dos juros pagos pela empresa e do valor assumido em amortizações e depreciações.
No período entre julho 2018 a junho 2019 (TTM), os juros pagos corresponderam a cerca de 60% dos ganhos operacionais, o que é um valor preocupante. Isto significa que a Mota Engil está, atualmente, bastante pressionada pelos juros dos empréstimos.
O valor anual de depreciação ainda se encontra abaixo dos 15% do Gross Profit, o que é um bom rácio, apesar da subida gradual verificada nos últimos anos.
Figura 9- Evolução dos juros de empréstimos
Estrutura do balanço
No balanço começamos por analisar os ativos mais líquidos, nomeadamente a quantidade de dinheiro disponível. Quando existe muito dinheiro disponível em relação ao preço de mercado das ações, é um sinal positivo. Nesse caso, as ações podem valer mais do que o resultado líquido indica, sendo provável que os acionistas venham a beneficiar desses ativos por meio de dividendos ou através de lucros gerados pela aplicação desse dinheiro em investimentos adequados. Muito dinheiro disponível indica que a empresa pode ter uma vantagem competitiva que se está a traduzir em ganhos financeiros, o que é positivo, ou que a empresa vendeu parte dos seus ativos ou ações, o que não é tão positivo.
A ME apresenta um volume de caixa e equivalentes de 1.9 € por ação, que corresponde sensivelmente ao preço das ações à data desta análise.
Um investidor de renome, Joel Greenblatt, utiliza um simples cálculo para aferir o dinheiro em excesso existente na empresa. Assume que uma empresa necessita de 20% do volume de vendas para conduzir o seu negócio, sendo o restante considerado dinheiro em excesso.
No caso da ME, não existe dinheiro em excesso de acordo com este critério, pelo que a grande quantidade de dinheiro que tem no seu balanço é a necessária para fazer face às suas despesas correntes.
A rubrica goodwill também merece ser analisada. O aumento de goodwill geralmente está relacionado com a aquisição de novos negócios.
No caso da ME, esta rubrica tem-se mantido relativamente constante ao longo dos últimos três anos.
Empresas muito endividadas estão mais expostas a ciclos económicos desfavoráveis, como uma recessão. Como regra, as empresas com uma vantagem competitiva durável exibem pouca ou nenhuma dívida de longo prazo. Em empresas com dívida no balanço deve ser analisado o respetivo histórico e verificada a tendência registada nos últimos anos.
A ME tem apresentado uma tendência crescente da dívida ao longo dos últimos anos. Comparando a dívida de longo prazo com o resultado líquido podemos ficar com uma ideia do grau de endividamento da empresa. A ME exibiu um rácio superior a 8, ostentando um risco muito alto na sua dívida (Figura 10).
Existe um outro indicador onde está bastante explícita a situação de endividamento em que a ME se encontra. Analisando a relação do Resultado Líquido com os juros da dívida verifica-se que a situação da ME tem vindo a piorar, denotando a existência de riscos de insolvência.
Figura 10 – Dívida de longo prazo
Numa das suas últimas entrevistas, Ben Graham, o pai da análise fundamental, informou que usava um critério simples para medir a solvência de uma empresa. Uma empresa deve possuir o dobro do que deve. Por outras palavras, o rácio Total Assets / Total Liabilities deve ser maior ou igual a 2.
A ME registou um rácio de 1.1 em 2018, o que está longe da meta de Ben Graham (Figura 11).
Figura 11 – relação dos ativos e passivos
A relação da dívida com o património líquido pode ser utilizada para perceber o modo como a empresa se financia. Basicamente a empresa pode financiar-se recorrendo a dívida ou ao seu próprio capital (que inclui o dinheiro aplicado pelos acionistas e os lucros acumulados). Quando uma empresa recorre constantemente a dívida para se financiar, apresenta um perfil de maior risco para o investidor.
O indicador debt-to-equity ratio tem revelado uma tendência de aumento ao longo dos últimos anos, confirmando que a empresa apresenta, atualmente, um perfil de maior risco no que concerne ao endividamento (Figura 12). Um rácio superior a 4 classifica este investimento como sendo de alto risco!
Figura 12 – histórico do debt-to-equity ratio
Para medir o retorno do capital investido na empresa destacamos 3 indicadores: Return on Equity, Return on Capital Employed, e Return on Acess. O enfoque num ou noutro indicador varia conforme o tipo de análise que pretendemos fazer.
No Return on Capital Employed (ROCE) compara-se o resultado líquido operacional com o capital investido na empresa. Um ROCE de 20% significa que por cada euro investido, a empresa obteve 20 cêntimos de lucro operacional. Consideramos que este indicador é um dos mais adequados para efeito de benchmarking com outras entidades, já que permite uma compararão dos resultados antes dos juros e impostos - estes fatores variam de indústria para indústria, ou de país para país, pelo que podem distorcer os resultados quando são considerados.
No caso da ME, é possível observar uma diminuição dos 3 indicadores a longo prazo, o que significa que a rentabilidade dos investimentos tem vindo a diminuir (Figura 13). No entanto, parece estar a assistir-se a uma ligeira recuperação dos rácios - o valor de ROCE verificado no final de 2018 foi de 5.8%, face a 2.9% verificados em 2016.
Figura 13 – Retorno do investimento
Existem várias formas possíveis de analisar o preço das ações e verificar se este está caro ou barato face ao seu histórico de preços, ou face às empresas concorrentes. Nesta análise utilizamos o Current Earnings Yield, um indicador que compara o resultado operacional com o preço pelo qual o mercado avalia a empresa (Enterprise Value).
Se a este indicador juntamos o ROCE, referido no parágrafo anterior, ficaremos com uma relação do preço e do retorno do investimento que a empresa apresenta. Uma empresa com um preço baixo e retorno elevado será uma melhor aposta que uma empresa nas condições opostas.
As barras verticais representadas na figura seguinte correspondem ao resultado final desta classificação - quanto mais alta for a barra, melhor conjugação do preço e retorno terá a empresa.
A crise da construção aparece bastante explícita no histórico de ambos os indicadores, observando-se uma perda clara de valor nos últimos anos (Figura 14). Apesar disso, parece estar a assistir-se a uma recuperação dos rácios, situando-se, nos últimos 12 meses (barra TTM), num patamar mediano e em tendência ascendente, quando comparado com o histórico dos últimos 10 anos.