Farfetch Ltd (FTCH)

  • MyStockIdeas
  • Dezembro 31, 2019

Principais resultados da análise

A evolução do volume de vendas da Farfetch é notável, tendo passado de 128M€ em 2015 para 754M€ entre julho de 2018 e junho de 2019 (TTM). No entanto, esse crescimento tem-se traduzido também num agravamento dos prejuízos operacionais da empresa.

Projetando-se as estimativas da MyStockIdeas numa análise cash-flow, verifica-se que a empresa necessitará de um capital adicional de 1.535 M€ ao longo dos próximos anos, para suportar o seu crescimento. Assumindo que a Farfetch emitirá dívida num montante equivalente a 26% do total de capital investido até 2028 (média da indústria), faltarão cerca de 1.000 M€ de financiamento para completar os 1.535 M€ atrás mencionados, o que deverá ser obtido através de emissão de ações. Interessa realçar que um cenário real de emissão de ações não afeta a avaliação resultante da análise cash-flow, já que o efeito de diliuição das ações está já subentendido nos valores negativos de Free Cash Flow to Firm considerados no modelo.

O valor das ações obtidos na análise Cash-Flow é de 11.18 €, recomendando-se a compra de ações até 10.06€ (margem de segurança de 10%).

É de notar que existe o risco de perda total do investimento nas Start-Ups, pelo que se trata de um investimento de alto risco. No entanto, existente também um retorno elevado no cenário mais favorável. E ainda, por se tratar da primeira empresa com ADN português a fazer um IPO numa das mais reconhecidas bolsas do mundo, a Farfetch merece um voto de confiança adicional.

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Introdução

 

Nesta avaliação será efetuada uma análise assente no histórico dos dados financeiros e dos principais indicadores de desempenho, o que permitirá obter uma boa aproximação do valor da empresa. A avaliação é baseada na informação disponível nos relatórios e contas, em estudos publicados, em artigos disponíveis na imprensa, legislação, etc.

Os dados financeiros das empresas aparecem resumidos em três tipos de formatos: demonstração de resultados, balanço e o fluxo de caixa.

A demonstração de resultados apresenta a quantia que a empresa faturou num determinado período de tempo (vendas) e a quantia que utilizou para obter essas receitas durante o mesmo período de tempo (custos). Analisando a demonstração de resultados podemos verificar se as receitas estão numa tendência crescente ou decrescente, se as despesas estão em linha com as receitas, se os lucros são consistentes ou voláteis, se apresentam um padrão cíclico, entre outros. Os preços das ações da grande maioria das empresas estão relacionados com os lucros, pelo que a análise da demonstração de resultados assume uma grande importância no processo de previsão do preço das ações.​​ 

A estrutura de balanço reflete a condição financeira da empresa em determinado instante. Através do balanço é possível verificar a solvência da empresa, a sua liquidez, a sua eficiência operacional, entre outras características. Um balanço forte pode ser um indicador de resistência a ciclos económicos adversos.​​ 

O fluxo de caixa reflete o dinheiro que realmente entrou e saiu da empresa durante um determinado período de tempo (tipicamente 1 ano). O histórico do fluxo de caixa permite saber a quantia que a empresa realmente gasta e que efetivamente recebe, fornecendo informação indispensável para o cálculo do seu valor intrínseco.

Ao longo desta análise será interpretada a informação disponibilizada por estes três formatos e, recorrendo a indicadores-chave, será calculada uma primeira estimativa do valor da empresa.  ​​ ​​​​ ​​ 

 

Descrição da empresa

A Farfetch é uma plataforma global de distribuição on-line de produtos de luxo pessoais, fundada em 2008 por José Neves, que permanece CEO e um dos principais acionistas. A plataforma liga clientes e vendedores de marcas de luxo e oferece uma ampla seleção de produtos aos consumidores.​​ ​​ 

O número de clientes da Farfetch​​ corresponde, atualmente,​​ a​​ cerca de 4% do segmento de produtos de luxo on-line e menos de 0,5% do total da indústria de bens de luxo. Para os próximos anos é esperado um forte crescimento das compras online de luxo e a Farfetch está bem posicionada para poder lucrar com esse crescimento.

As comissões cobradas pela Farfetch às marcas e grossitas são elevadas face a outras plataformas de​​ e-commerce, o que é um sinal do valor que estas entidades atribuem à plataforma. Embora este tipo de contratos seja renovado anualmente,​​ a empresa conseguiu reter quase todos os seus 100 principais fornecedores ao longo dos últimos 3 anos, segundo a Farfetch.

A empresa cresceu de 35 parceiros em 2009 para cerca de 1000 parceiros, entre​​ marcas​​ e fornecedores grossistas, de​​ 45 países​​ diferentes.​​ Atualmente, o crescimento da plataforma é impulsionado principalmente pela atração de novos clientes,​​ tendo o​​ número de clientes ativos passado​​ de 416​​ mil​​ em 2015 para mais de 1 milhão em 2018.​​ 

 

A Farfetch​​ pode ser caracterizada como uma típica​​ Star-Up, apresentando um forte crescimento do volume de vendas​​ em simultâneo com​​ um​​ crescimento​​ dos prejuízos. As Start-Ups apresentam alguns pontos em comum, nomeadamente:

  • Reduzido histórico de​​ informação financeira;

  • Resultados Operacionais negativos;

  • Ações com reduzida liquidez;

  • Principais acionistas​​ com​​ direitos especiais sobre as ações​​ (de voto, etc.);

  • Taxa de sobrevivência abaixo de 50%;

É​​ difícil estimar futuros cash-flow​​ para as Start-Ups, ainda mais quando está em causa a própria sobrevivência da empresa. Como consequência, muitos investidores preferem não correr o risco de avaliar estas jovens empresas, abrindo uma janela de oportunidade para quem as avalia.​​ 

Dado o estágio inicial em que se encontra, o investimento em ações da Farfetch tem uma incerteza muito alta associada.

 

Figura​​ 1​​ - as fases iniciais do ciclo de vida de uma empresa (Damodaran, 2011)

 

Situação financeira

 

Análise dos resultados

O​​ volume de vendas é o​​ primeiro dado​​ a​​ analisar​​ na demonstração de resultados. ​​ As vendas são a força vital das empresas. Sem elas não há lucro ou qualquer perspetiva de negócio. A​​ análise do histórico do volume de vendas permite​​ avaliar a exposição da empresa aos ciclos económicos e​​ perceber se o negócio está em expansão ou em retração.

A evolução do volume de vendas da Farfetch é notável, tendo passado de 128M€ em 2015 para​​ 525M€​​ em 2018 e 754M€​​ de julho-18 a junho-19​​ (TTM). No entanto, esse crescimento tem-se traduzido também num agravamento dos prejuízos operacionais da empresa.​​ 

Figura​​ 2​​ – principais dados da demostração de resultados

 

O resultado operacional reflete a capacidade​​ que a​​ empresa​​ tem​​ de​​ gerar receita.​​ Tal como o nome indica,​​ este dado mostra​​ o​​ resultado​​ gerado exclusivamente pelas operações do negócio,​​ antes​​ de ser descontada a verba destinada ao pagamento de​​ juros e impostos.​​ Dado que o resultado não é distorcido pelo nível de endividamento em que diferentes indústrias operam ou pelas taxas tributárias que diferem de país para país, o resultado operacional​​ é um indicador​​ particularmente útil quando se pretende comparar​​ diferentes empresas.

​​ O​​ resultado líquido da empresa reflete essencialmente a evolução do Resultado Operacional. O resultado​​ líquido​​ tem-se mantido​​ negativo desde o início,​​ e o seu valor tem evoluído negativamente e na mesma proporção do volume de vendas​​ (Figura 4).​​ Isto significa que a FTCH ainda não conseguiu alterar as margens de lucro negativas que caracterizam o seu negócio desde o início.

 

Figura​​ 3​​ – Evolução do Resultado Operacional

 

Figura​​ 4​​ – Taxa de crescimento das vendas e prejuízos

 

O Resultado Operacional corresponde ao somatório de diversas parcelas, das quais se destacam​​ as seguintes​​ (Figura 5):

  • Gross Profit, ou margem​​ bruta:​​ é um indicador que revela a quantidade de dinheiro disponível​​ das​​ vendas após dedução do custo dos produtos vendidos. A margem de lucro bruto geralmente​​ aparece​​ expressa como uma percentagem das vendas.

  • Selling, General and Administrative Expenses​​ (SG&A):​​ inclui todas as despesas gerais e administrativas incorridas durante o período contabilístico. Estas incluem salários de gestão, publicidade, custos de representatividade, honorários, comissões, entre outros.​​ 

  • Depreciação e Amortização:​​ é​​ uma rubrica​​ onde se​​ reconhece​​ o desgaste que as máquinas e edifícios vão apresentando ao longo do tempo.​​ 

  • Outros ganhos/custos operacionais:​​ inclui​​ receitas de todas as outras atividades operacionais que não estão relacionadas​​ com as​​ principais atividades da empresa, como ganhos / perdas​​ em​​ alienações, receita de juros, receita de dividendos, etc.

Analisando as principais componentes do resultado operacional da​​ Farfetch, constata-se que o​​ Gross Profit​​ e as SG&A são as​​ parcelas​​ que apresentam maior peso.

Figura​​ 5​​ – Componentes do​​ Resultado Operacional

 

A análise do histórico​​ destas componentes​​ revela​​ uma diminuição da​​ Gross Profit Margin​​ e um aumento dos custos de SG&A relativamente ao​​ Gross Profit.​​ 

Segundo a Farfetch,​​ a diminuição da​​ Gross Profit Margin​​ deveu-se ao aumento dos​​ custos​​ associados​​ ao serviço de​​ despacho​​ dos produtos​​ e​​ à diminuição da margem​​ das vendas do tipo “first-party” (situação em que​​ a Farfetch atua como retalho e a​​ marca como fornecedor grossista).​​ O aumento dos custos de SG&A reflete um aumento do número de colaboradores, das despesas de tecnologia e despesas de marketing.

 

Figura​​ 6​​ – Gross Profit​​ Margin ​​​​ e SG&A

 

O resultado não operacional (Figura 2, Non-Operating Income/Expenses, Total) deve-se, geralmente, a eventos não recorrentes, pelo que muitos investidores optam por não os considerar no processo de avaliação de uma empresa.​​ 

O​​ resultado​​ não operacional​​ teve um impacto positivo de 17M€​​ (Figura 7​​ e​​ Figura 8).​​ Este valor está relacionado exclusivamente com operações financeiras da empresa, nomeadamente com ganhos não realizados e ganhos com juros realizados em investimentos de curto prazo.​​ Ao longo dos próximos anos o resultado operacional deverá ter pouco​​ significado​​ no resultado líquido da empresa, ainda que se espere alguma volatilidade associado a esta componente.

 

Figura​​ 7​​ – Componentes do resultado Líquido

 

Figura​​ 8​​ – Evolução do resultado não operacional

 

A exposição à dívida e os gastos de capital podem ser analisados de uma forma indireta​​ na demonstração de resultados,​​ através da observação​​ dos juros pagos pela empresa e​​ do valor assumido em amortizações e depreciações.​​ 

Embora a depreciação não represente um custo real, não se pode ignorar que o envelhecimento e natural degradação dos ativos obrigará a empresa, um dia, a adquirir novos equipamentos. Como tal, a depreciação é um gasto bem real e deve​​ sempre ser considerada na análise de uma empresa. As empresas com menores valores de depreciação em relação ao​​ Gross Profit​​ geralmente​​ são mais competitivas.

Atualmente a Farfetch não tem dívida no seu balanço.

Os custos de depreciação​​ face ao​​ Gross Profit​​ têm vindo a​​ diminuir​​ ao longo dos anos, encontrando-se atualmente nos​​ 5,6%, um valor baixo.​​ É​​ de notar que alguns custos SG&A poderiam eventualmente ser capitalizados​​ em termos contabilísticos, diminuindo​​ a parcela de SG&A​​ e aumentando​​ a rúbrica​​ da​​ depreciação.​​ Tal​​ refere-se​​ a​​ parte das despesas de tecnologia e marketing​​ que,​​ tratando-se de​​ investimentos​​ que produzem resultados a longo prazo,​​ os respetivos custos​​ poderiam​​ ser​​ capitalizados, isto é,​​ depreciados​​ a longo prazo também.

 

Figura​​ 9-Evolução da depreciação​​ em função do Gross Profit

 

Estrutura do balanço

No balanço começamos​​ por analisar os ativos mais líquidos,​​ nomeadamente​​ a quantidade de dinheiro disponível.​​ Quando​​ existe muito dinheiro disponível​​ em relação ao preço de mercado dos títulos,​​ é um sinal positivo.​​ Nesse caso, as ações podem valer mais do que o​​ resultado líquido​​ indica, sendo​​ provável que os acionistas​​ venham a beneficiar​​ desses ativos por meio de​​ dividendos​​ ou​​ através de lucros gerados​​ pela aplicação desse dinheiro em​​ investimentos​​ adequados. Muito dinheiro​​ disponível indica uma de duas coisas: a empresa tem uma vantagem competitiva que se está a traduzir em ganhos financeiros, o que é positivo, ou a empresa vendeu parte dos seus ativos ou​​ ações, o que não​​ é tão positivo.​​ 

Um investidor de renome,​​ Joel Greenblatt, utiliza um simples cálculo para aferir o dinheiro em excesso existente na empresa. Assume que uma empresa necessita de 20% do volume de vendas para conduzir o seu negócio, sendo o restante considerado dinheiro em excesso.

As Start-Ups precisam de muito dinheiro em caixa, de forma a poderem cobrir os prejuízos que estão associados às fortes taxas de crescimento dos primeiros anos de vida. Como tal, a análise desta rubrica assume contornos um pouco diferentes da análise de uma empresa madura - o dinheiro em caixa e a relação com os investimentos previstos será abordada com mais detalhe​​ no ponto relativo à avaliação.

 

A rubrica​​ goodwill​​ também merece​​ ser analisada. O​​ aumento​​ de​​ goodwill​​ geralmente está relacionado com a aquisição de novos negócios.​​ 

A​​ Farfetch​​ apresenta um valor estável e pouco significativo de Goodwill no seu balanço, de​​ 31​​ M€, correspondendo a cerca de 3% do valor total dos ativos. Juntando outros ativos intangíveis (ativos que não​​ existem​​ fisicamente, como​​ patentes, direitos​​ de autor, nomes de marcas, etc.) o seu peso corresponde aproximadamente a 10% do valor total dos ativos.

 

Empresas muito endividadas estão mais expostas a ciclos económicos desfavoráveis, como uma recessão.​​ Como regra, as empresas com uma vantagem competitiva durável exibem pouca ou nenhuma dívida de longo prazo.​​ Em empresas com dívida no balanço​​ deve ser​​ analisado​​ o​​ respetivo​​ histórico e verificada​​ a tendência​​ registada​​ nos últimos anos.​​ 

A Farfetch não apresenta dívidas no seu balanço.​​ Não obstante, a empresa deverá recorrer à dívida​​ no​​ futuro, como meio de financiamento do seu crescimento. Esta questão será analisada com mais detalha no ponto relativo à avaliação.

 

 

Numa das​​ suas​​ últimas entrevistas,​​ Ben Graham, o pai da análise fundamental,​​ informou​​ que usava um critério simples para medir a solvência de uma empresa. Uma empresa deve possuir​​ o dobro do que deve. Por outras palavras, o rácio​​ Total Assets / Total Liabilities​​ deve ser​​ maior ou​​ igual a 2.​​ 

A​​ Farfetch​​ registou um rácio de​​ 6​​ em 2018,​​ cumprindo com o critério de solvência de Ben Graham.​​ Na​​ Figura 10​​ constata-se​​ que o​​ indicador​​ Current Ratio​​ –​​ ativos​​ de curto prazo menos passivos de curto prazo​​ – apresenta valores de igual​​ grandeza, uma vez que o volume total de ativos (correntes e não correntes) é quase todo constituído por ativos correntes.

Como já referido,​​ é normal que as Start-Ups apresentem rácios desta grandeza logo após a IPO (a​​ IPO da Farfetch ocorreu em 2018), mas é inevitável que este​​ rácio venha a diminuir ao longo dos próximos anos,​​ tendo em consideração que os resultados negativos irão permanecer por uns anos e que a empresa​​ deverá​​ recorrer, a seu tempo, ao crédito.​​ 

 

Figura​​ 10​​ – relação dos ativos e passivos

 

​​ A relação​​ da​​ dívida​​ com o​​ património líquido​​ pode ser utilizada​​ para​​ perceber​​ o modo como a​​ empresa​​ se financia. Basicamente a empresa pode financiar-se recorrendo a dívida ou ao seu próprio capital (que inclui o dinheiro aplicado pelos acionistas e os lucros acumulados).​​ Quando uma​​ empresa​​ recorre constantemente​​ a dívida para se financiar,​​ apresenta um perfil de maior risco para o investidor.

Como já indicado nesta análise, a Farfetch não apresenta dívida​​ no seu balanço. No entanto, será​​ muito provável​​ que a empresa​​ recorra​​ à​​ dívida nos próximos anos. Esta situação será analisada com maior detalhe​​ no ponto relativo à avaliação.​​ 

 

Para medir o retorno do capital investido na empresa​​ destacamos​​ 3 indicadores:​​ Return on Equity, Return on Capital Employed,​​ e​​ Return on Acess.​​ O enfoque num ou noutro​​ indicador varia conforme o tipo de análise que pretendemos fazer.​​ 

No​​ Return on Capital Employed​​ (ROCE)​​ compara-se o resultado operacional com o capital​​ investido na empresa. Um​​ ROCE​​ de 20% significa que por​​ cada​​ euro​​ investido, a empresa obteve​​ 20​​ cêntimos​​ de lucro​​ operacional.​​ Consideramos que este indicador​​ é o​​ mais adequado para efeito de​​ benchmarking​​ com outras entidades, já que permite uma compararão dos resultados antes dos juros e impostos,​​ fatores estes que variam entre indústrias ou países​​ e que distorceriam​​ os resultados.​​ 

A análise destes indicadores não apresenta grande utilidade na fase de maturação em que a Farfetch se encontra. Para além do histórico​​ de informação​​ ser​​ reduzido, a empresa só entrou na bolsa em 2018​​ e​​ o resultado destes indicadores​​ é impactado por essa​​ ocorrência.​​ 

 

Existem várias formas possíveis de analisar o preço das ações face ao seu​​ histórico, destacando-se o​​ Current Earnings Yield.​​ Este indicador​​ permite comparar o preço atual com os preços verificados no passado​​ ou com os preços da concorrência​​ e identificar se​​ este​​ está​​ relativamente​​ alto ou baixo. ​​ O​​ Current Earnings Yield​​ compara o resultado​​ operacional com o valor​​ pelo qual o mercado avalia a empresa​​ (Enterprise Value).​​ 

Se a este indicador juntamos o ROCE, referido no parágrafo anterior, ficaremos com uma relação do preço e do retorno do investimento que a empresa apresenta. Uma empresa com um preço baixo e retorno elevado será uma melhor aposta que uma empresa nas condições opostas.​​ 

No caso da Farfetch,​​ não podemos utilizar estes indicadores na avaliação do preço das ações, dado que não existe histórico de informação​​ suficiente​​ e porque os resultados finaceiros​​ são negativos. Por conseguinte, a avaliação do preço das ações será efetuada exclusivamente com base na avaliação dos futuros cash-flows.​​ 

 

O​​ lucro​​ por ação é a medida mais importante na determinação do valor da empresa.​​ 

Dado que a recompra de ações​​ se​​ traduz​​ numa diminuição do​​ número de ações em circulação,​​ esta​​ ocorrência​​ provoca​​ um​​ aumento​​ imediato​​ do lucro por ação.​​ Normalmente a recompra de ações surge num contexto em que as ações estão subvalorizadas, representando, neste caso,​​ uma​​ forma de​​ agregar valor à empresa.

Por outro lado, a emissão de ações diminui o lucro por ação de uma forma imediata, destruindo valor para os acionistas.​​ As empresas recorrem a esta forma de financiamento quando não têm reservas de dinheiro suficientes para fazer face aos seus investimentos​​ ou quando as​​ taxas de juro​​ (custo dos empréstimos)​​ são​​ muito​​ elevadas.​​ ​​ 

É sempre importante observar o histórico do número de ações emitidas​​ para​​ confirmar​​ a política que a empresa segue em relação​​ a esta matéria.

As Start-Ups geralmente apresentam cash-flow negativos na fase inicial de vida, não gerando retorno efetivo aos​​ acionistas.​​ Devido à necessidade permanente de investir no seu próprio crescimento, muitas vezes acontece o contrário, isto é, os acionistas são chamados a investir na empresa para manter o seu nível de crescimento.​​ 

Como registado nesta avaliação, a Farfetch entrou em bolsa em 2018. No entanto,​​ existe a possibilidade​​ de a​​ empresa​​ recorrer​​ novamente à emissão de ações para se financiar. Esta situação será detalhada​​ no ponto relativo à avaliação da empresa.

 

O indicador​​ Price/Book Value​​ pode ser utilizado para​​ comparar​​ valores​​ de​​ empresas similares do mesmo setor, que​​ seguem​​ o mesmo​​ método contabilístico​​ para avaliação de ativos.​​ 

O​​ indicador​​ não​​ deve​​ servir como base de​​ comparação​​ entre​​ empresas de diferentes setores e indústrias,​​ devido a diferenças nos critérios contabilísticos. Por exemplo,​​ algumas empresas​​ podem registar​​ os​​ seus ativos ao​​ custo​​ histórico​​ de aquisição​​ enquanto​​ outras​​ podem registar​​ os​​ seus ativos​​ ao valor atual do mercado.​​ 

Como resultado, um​​ valor alto neste indicador​​ não significará necessariamente que a empresa esteja sobreavaliada,​​ assim como o inverso​​ não​​ quererá dizer que a empresa esteja subavaliada. No entanto, pode ser um indicador útil quando​​ utilizado para​​ comparar​​ empresas do mesmo setor.

Como se pode observar na figura seguinte, o indicador​​ Price/Book Value​​ apresentou uma descida nos últimos 12 meses relativamente a 2018. Esta descida está relacionada com a forte diminuição dos preços das ações da Farfetch, que foi​​ motivada​​ principalmente pelas estimativas menos otimistas apresentadas pela empresa em agosto de 2019. Além dos resultados e estimativas para o terceiro trimestre, a Farfetch também anunciou a aquisição da​​ New Guards, uma plataforma que permite à empresa reforçar no "streetwear", o que parece não ter sido bem recebido pelos investidores.​​ A imagem da Farfetch foi também afetada pela saída do​​ chief operational office​​ (COO) Andrew Robb, após​​ 9 anos​​ de colaboração​​ com a companhia.

 

Figura​​ 11​​ – Evolução do indicador Price/Book Value

 

Fluxo de caixa

O​​ Free Cash Flow​​ Yield​​ é um indicador que​​ compara o​​ fluxo de caixa operacional​​ – somatório do​​ dinheiro recebido e​​ dinheiro​​ gasto​​ nas operações - com​​ o valor de mercado da empresa.​​ Este indicador​​ representa uma alternativa​​ à​​ métrica​​ earnings yield​​ já​​ mencionado​​ nesta análise, na medida em que permite comparar o preço atual​​ dos títulos​​ com os preços verificados no passado ou com os preços da concorrência e identificar se este está​​ relativamente​​ alto ou baixo.​​ 

Analisando o histórico deste indicador verifica-se que o​​ Free Cash Flow Yield​​ apresentou uma melhoria em 2019, não só porque o​​ preço​​ das ações desceu,​​ o​​ que significa​​ que o​​ valor de mercado​​ da Farfetch​​ desceu,​​ mas também porque a empresa conseguiu manter o nível de cash-flow operacional do ano anterior (2018). No gráfico seguinte pode-se observar​​ que​​ o cash-flow operacional​​ interrompeu a sua tendência de diminuição em​​ 2019​​ (TTM), apesar do crescimento verificado no volume de vendas.

 

Figura​​ 12​​ – Taxa de crescimento das​​ Vendas,​​ do Cash Flow Operacional​​ e das Despesas de Capital

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Os​​ gastos​​ de capital​​ têm uma influência direta​​ na determinação do​​ Free Cash-Flow​​ to Equity, isto é, na determinação da quantidade de dinheiro que fica efetivamente disponível para os acionistas. Se os requisitos de gastos de capital forem​​ permanentemente​​ altos, significa que​​ a empresa precisa de reinvestir uma grande parte das suas receitas​​ de uma forma continuada​​ para​​ poder​​ manter os ativos existentes.​​ Elevadas despesas de capital reduzem o fluxo de caixa, no qual se baseia​​ o valor de uma empresa. Empresas com elevados gastos de capital apresentam rácios do indicador​​ Capital expenditure/sales​​ superiores a 20%.

Analisando​​ a​​ Figura 13,​​ verifica-se​​ que​​ as despesas de capital​​ têm aumentado gradualmente, mas permanecem num nível baixo.

Figura​​ 13​​ - Capital Expanditures / Sales

 

Avaliação

O processo de avaliação de uma empresa não é um exercício objetivo, sendo influenciado por vários fatores como a falta de informação, erros associados às estimativas,​​ erros relacionados com​​ preconceitos​​ do​​ próprio analista, entre outros. No entanto, é um método que permite uma boa aproximação do valor das empresas e, acima de tudo, permite identificar os melhores negócios quando utilizado de forma consistente​​ e uniforme​​ em todas​​ as empresas.​​ 

Para estimar o​​ valor intrínseco da empresa começa-se por calcular o​​ dinheiro que está efetivamente disponível para os acionistas, o​​ Free Cash Flows to Equity​​ (FCFE). Este indicador corresponde ao​​ fluxo de caixa​​ resultante​​ após​​ cumpridas as obrigações financeiras, assumidas​​ as​​ despesas de capital e​​ depois de satisfeitas as​​ necessidades de capital circulante.​​ 

Depois de calculado​​ o​​ FCFE,​​ o passo seguinte consiste em​​ estimar​​ a​​ taxa de crescimento da empresa.​​ Os​​ relatórios financeiros são​​ uma​​ fonte de informação​​ imprescindível para esta etapa.​​ Também é importante​​ identificar​​ a fase do​​ ciclo económico​​ que se atravessa, entender as perspetivas da indústria onde a empresa se insere,​​ conhecer​​ as empresas concorrentes, identificar as vantagens competitivas da empresa,​​ e todos os outros fatores que​​ influenciam o crescimento​​ do negócio.​​ 

Integrando essas variáveis numa​​ análise de​​ Cash-Flow,​​ obtém-se​​ finalmente​​ o preço a que a ação deve ser adquirida​​ para ir de encontro às espectativas de retorno do investidor.

Nos pontos seguintes resumem-se os principais resultados desta análise:

  • A evolução do volume de vendas da Farfetch é notável, tendo passado de 128M€ em 2015 para 525M€ em 2018 e 754M€​​ entre julho de 2018 e junho de 2019​​ (TTM). No entanto, esse crescimento tem-se traduzido também num agravamento dos prejuízos operacionais da empresa;

  • A​​ empresa​​ revela uma diminuição do​​ Gross Profit Margin​​ e um aumento dos custos de SG&A relativamente ao​​ Gross Profit, impactando negativamente no resultado operacional.

  • A​​ Farfetch não apresenta dívida no seu balanço. No entanto, será​​ muito provável​​ que a empresa recorra à dívida nos próximos anos;

  • O​​ Free Cash Flow Yield​​ apresentou uma melhoria em 2019, não só porque o preço das ações desceu (o valor de mercado da Farfetch desceu) mas também porque a empresa conseguiu manter o nível de cash-flow operacional do ano anterior (2018).

Existem três fatores chave para a estimativa dos futuros cash-flow de uma start-up.​​ 

  • O primeiro é a taxa de crescimento das vendas, que pode ser obtida​​ extrapolando os valores registados no passado ou​​ estimando a cota de mercado que ficará reservada à empresa​​ na fase de maturidade.​​ Nesta avaliação, para os próximos 10 anos​​ estimamos​​ que o mercado global de bens de luxo crescerá 1.5% ao ano (cresceu 6% ao ano desde 2010) e que o​​ mercado online crescerá 13.5% ao ano (cresceu 27% ao ano desde 2010).​​ Estimamos​​ também que a Farfetech​​ terá, em 2018, uma cota de mercado equivalente a 2% do volume total do mercado e a 6% das vendas online.​​ 

  • Outro fator chave será estimar os custos operacionais que irão suportar o crescimento estimado para as vendas.​​ Como tal, estimamos para 2028 uma margem operacional antes de impostos de 15%. Este é​​ um valor​​ que está​​ acima​​ do valor médio da indústria - 11% para retalho online -​​ porque​​ o​​ negócio​​ da empresa​​ não é de retalho puro. A maior​​ margem de lucro​​ da Farfetch está​​ associada ao negócio do tipo​​ third-party, em que os fornecedores utilizam o marketplace da Farfetch para vender diretamente ao cliente final.

  • O terceiro fator será estimar o investimento que será necessário​​ aplicar na empresa, de forma a garantir o volume de vendas projetado.​​ Para a Farfetch, o reinvestimento​​ foi​​ estimado​​ assumindo que​​ o rácio​​ sales-to-capital ratio​​ passará de 4 (valor atual) para 2.5 ao longo do período em análise.

Projetando estas estimativas numa análise cash-flow,​​ verifica-se que a empresa necessitará de um capital adicional de​​ 1.535 M€ ao longo dos próximos anos, para suportar o seu crescimento.​​ Assumindo​​ que​​ a Farfetch​​ irá​​ emitir​​ dívida num​​ montante​​ equivalente a 26% do total de capital investido​​ até 2028​​ (média da indústria), faltarão​​ cerca de​​ 1.000​​ M€ de financiamento​​ para completar os 1.535​​ M€ atrás mencionados,​​ o​​ que​​ deverá​​ ser obtido​​ através de emissão de ações.​​ Interessa​​ realçar que​​ um cenário real de emissão de ações​​ não​​ afeta​​ a avaliação resultante​​ da análise cash-flow, já que o efeito de diliuição das​​ ações está já subentendido nos valores negativos de​​ Free Cash Flow to Firm​​ considerados no modelo.

O valor das ações obtidos na análise Cash-Flow é de 11.18​​ €,​​ recomendando-se a compra de ações até 10.06€ (margem de segurança de 10%).

É de notar que existe o risco de perda total do investimento nas Start-Ups, pelo que se trata de um investimento de alto risco. No entanto,​​ existente também um​​ retorno​​ elevado​​ no cenário mais favorável.​​ E ainda,​​ tratando-se da primeira empresa com ADN português a fazer um IPO numa das mais reconhecidas bolsas do mundo, a Farfetch​​ merece um voto de confiança adicional.

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